1. CLUBE-EMPRESA
  2. REGULAMENTAÇÃO
  3. CALENDÁRIO E PLANEJAMENTO

PRIMEIRA PARTE: CLUBE-EMPRESA

Em 2001, Atlético/PR e São Caetano fizeram a final do Campeonato Brasileiro, estava lá assistindo e ao fim pensei com meus botões: ‘agora vai!’. Não foi.

A ideia de que duas equipes com formato de gestão mais profissionalizado, próximo ao de empresas, disputando a final do Brasileirão poderia ser um rompimento de paradigmas, não durou nem um ano. Assim como, aliás, o 7×1.

Quando falamos da profissionalização dos clubes através de sua transformação em empresas, estamos falando de algo que já se pratica largamente mundo afora. Há inúmeras formas e modelos e daqui do nosso atraso, podemos tranquilamente ver as consequências de cada estilo e ‘beber nessa fonte’ para decidir que rumo tomar.

Não, um clube-empresa não é necessariamente melhor ou mais bem administrado do que um clube associativo. Mas com certeza são ambientes em que há possiblidade de se ter melhor controle das ações e uma melhor auditoria nos processos. Mais que isso, o clube-empresa elimina um dos piores problemas do futebol brasileiro que é o processo político de eleições e gestões por presidentes não remunerados.

Você já se perguntou porque alguém decide gastar – bastante – dinheiro para concorrer para a presidência de uma instituição que está falida? A história tem mostrado que a pessoa ou é rica ou tem segundas intenções. Ah sim, tem uma terceira opção: os malucos-apaixonados. Seja qual for o cenário, dirigir uma entidade com o coração ou com falta de escrúpulos, não parece ser a melhor saída.

O problema é que as estruturas do futebol brasileiro se alimentam dessas gestões amadoras e pouco reguladas, e foi nesse caminho que se criou tudo que temos hoje, desde os modelos atuais de governança até os eventuais esquemas, passando por concelhos que deveriam ter um papel fundamental, mas hoje são gigantes e, via de regra, inoperantes.

Mas o problema vai muito além disso. Vocês não imaginam o quanto esse ‘drive’ político nocivo atinge a instituição, ele permeia da diretoria ao técnico do Sub-15 com o mesmo efeito avassalador e avizinha sempre as mesmas questões de falta de planejamento, descontinuidade de processos e decisões que se desviam do que deveria ser o fundamental: decisões técnicas.

Quem acha que a transformação dos clubes em empresas seria nociva aos seus clubes é porque de recusa a analisar esse mérito básico e fundamental.

Há uma outra questão, a transformação do clube em empresa não quer dizer que ele será vendido, que perderá sua história ou que tal. Em Portugal por exemplo, para disputar as ligas profissionais o clube tem que ser empresa, mas há formatos distintos para tal. Desde a tradicional SAD (Sociedade Anônima Desportiva) até a SDUQ (Sociedade Desportiva Uníssona de Quotas), onde o próprio clube associativo é dono do clube empresa. Hoje, poucos ainda são assim por lá, mas essa flexibilidade mostra que a questão não é de ter ou não um investidor, mas sim de se ter um modelo mais regulado, transparente e auditável. E que tem funcionado muito bem.

Caso o caminho seja buscar investidores, ou até novos donos para os clubes, é claro que devem existir salvaguardas, como a preservação dos símbolos do clube, de seu local de sede (cidade) e da sua história como um todo.

Mas é bom lembrar para os que optarem por esse caminho, que investidor quer retorno, e isso só é possível num clube em formato de empresa.

Porém, mesmo que o seu clube vire uma empresa amanhã, ainda assim não vai ser fácil conseguir investidores. Hoje, 95% dos clubes brasileiros são deficitários e além dos problemas de gestão, o ambiente de investimento também é muito ruim. Falaremos disso na segunda parte.

SEGUNDA PARTE: REGULAMENTAÇÃO

Tive a oportunidade de participar da I Semana do Desenvolvimento do Futebol da CBF, em 2016. Foi um evento muito interessante para começarmos a discutir os problemas do nosso futebol. Na época, a CBF apresentou o projeto de Licenciamento que seria feito de forma faseado até se chegar à Série D, e havia o pensamento de que o prazo era muito distante, pois só em 2020 isso aconteceria.

Pois bem, cá estamos em 2021 e o Caderno de Licenciamento nem na Série A foi propriamente implementado ainda. Não estamos aqui para falar dos motivos dessa demora, mas de suas consequências.

Se fizermos um paralelo entre Brasil e Portugal de um business idêntico que seria comprar um clube pequeno na 3ª Divisão e levar em 5 anos à 1ª divisão, teríamos resultados completamente distintos. Enquanto em Portugal, a partir do 5º ano o investimento já traz retorno e você teria um bem com alto valor de revenda em mãos, no Brasil o resultado seria um buraco que poderia ficar entre os 5 e 10 MM de Euros. Porque isso acontece?

Basicamente o futebol português (e o europeu em geral) tem uma regulamentação mais rígida no que tange a gestão administrativa e financeira. Por lá, diversos clubes, mesmo tradicionais, faliram ou foram rebaixados. O exemplo mais recente é o Vitória de Setúbal que caiu da 1ª para a 3ª liga nessa temporada por não conseguir honrar suas dívidas, ou seja, o clube voltou a ser amador como punição pela má gestão.

20, 25 anos após a implementação rigorosa de regulamentações como essa trouxeram resultados claros para o futebol de Portugal. Se você tiver alguma dívida aberta ou não negociada ao fim da temporada, você não entra em campo no ano seguinte. Assim o resultado é que hoje gasta-se o que se arrecada. Ou seja, ao contrário do Brasil, o mercado está adequado ao seu tamanho. Enquanto aqui um clube da Série A2 (2ª Divisão Paulista) gasta 2 MM de reais num campeonato de 3 meses, em Portugal esse valor (e mesmo com esse câmbio maluco) seria suficiente para tocar um clube de 3ª divisão o ano todo, quiçá da 2ª. Lembrando, a A2 de São Paulo corresponde ao 6º nível do futebol brasileiro.

Esse círculo vicioso é responsável também pela grande quantidade de clubes inadimplentes e dos inúmeros casos de atraso em salários que vemos todos os dias. Discute-se se o governo deveria ou não participar dessa discussão. A verdade é que ao invés de criar leis para ajudar os devedores a cada 8/10 anos (Lei Pelé, Timemania, Profute), seria muito mais produtivo participar de processos que evitassem esse endividamento absurdo. Vale a pena lembrar que o CND (Conselho Nacional do Desporto) criado na década de 1940, foi responsável pela regulamentação e organização das Federações e da definição dos acessos e divisões menores, talvez esse fosse o foco do governo, se quiser ajudar.

Licenciamento e ‘Fair Play’ financeiro são ferramentas tão ou mais poderosas do que a transformação dos clubes em empresa. Primeiro porque propiciam uma auto-regulamentação do setor, segundo porque transpassa toda e qualquer má gestão ou improbidade dos clubes a partir do momento de que a punição é o rebaixamento ou até a sua extinção – e isso tem se mostrado muito eficiente nas principais ligas da Europa.

O que determina a boa gestão de uma instituição não é o seu formato, há clubes associativos bem administrados e clubes empresa mal administrados, o importante são as pessoas.

Se existe uma regulamentação clara e objetiva que force essas pessoas a se preocuparem com o planejamento, metade do problema está resolvido. E, é claro, essa regulamentação, vem sempre acompanhada da responsabilização dos devidos gestores, assim, toda a cadeia se preocupa em cumprir a lei e planejar suas equipes mediante essa condição básica.

Se queremos ter investimento no futebol brasileiro, temos que ter segurança jurídica dentro de um ambiente regulamentado, e a simples opção da transformação dos clubes em empresa é apenas um dos passos nesse sentido.

Isso sem contar os problemas com o calendário e o planejamento futuro da nossa Liga, que falaremos na terceira parte.

TERCEIRA PARTE: CALENDÁRIO E PLANEJAMENTO

O jornalista Perrone em seu blog disse que o futebol brasileiro tinha se tornado um produto de TV, onde poucos tinham o acesso ao estádio e que por conta disso, passava a concorrer com outras opções na TV, como o Campeonato Inglês, Alemão, Champions League.

Muito interessante essa análise, e muito real. A verdade é que a concorrência está cada vez mais globalizada e se o acesso do torcedor comum a um produto é igual ele pode sim ter essa comparação e preferir ver, por exemplo, o Campeonato Inglês ao invés do Brasileiro.

Após ter participado diversas vezes sobre discussões sobre o calendário do futebol brasileiro, sempre vejo na mesa o mesmo problema: qual é o objetivo?

No ponto de vista de gestão quando vamos fazer um planejamento, temos que ter um objetivo e, via de regra, vejo que isso é justamente o nosso problema, a gente não sabe. Queremos ser uma Europa? Queremos times ricos? Queremos voltar a ser o puro futebol brasileiro? Queremos desenvolver a prática do esporte no país? Qual é o objetivo?

Teoricamente, nosso objetivo deveria ser querer ter o melhor futebol do mundo, os melhores atletas, a melhor seleção. Mas será que é isso que se coloca à mesa nessas discussões?

O problema é que do ponto de vista do investidor e do ambiente para investimento em si, o calendário do futebol brasileiro é caótico. Antigamente, tínhamos o nosso sistema baseado nos campeonatos estaduais que levavam às competições nacionais, ou seja, era como a Europa é hoje. Agora, temos um sistema híbrido, em que os estaduais persistem sem motivo claro e da mesma forma que deixaram de ter o seu papel – importantíssimo – no desenvolvimento e distribuição do esporte por um país desse porte, andam moribundos tentando encontrar seu motivo de existir.

Das principais Ligas do Mundo, o Brasil é o único que tem um sistema desconectado entre profissional e amador. E na América do Sul, apenas a Colômbia é assim também. Em todos os demais, os sistemas de liga têm diversas divisões começando pelas profissionais até as amadoras de bairro, como na Inglaterra, que tem mais de 30 níveis.

Aqui, por conta desse processo híbrido e da falta de um caderno de licenciamento, temos um sistema que se chama de profissional e que tem dois sistemas dentro de si em paralelo: o dos estaduais e os nacionais. Um time pequeno paulista que disputa o campeonato mais importante nos primeiros meses do ano, que é o Paulistão, pode nem ter calendário no segundo semestre ou então, disputar a competição menos importante deste, a Série D. Como se faz planejamento num ambiente assim? Como se investe num ambiente assim?

Em que pese os esforços da CBF para melhorar a Série D, ela continua tendo muitos mata=matas o que aumenta ainda mais a sua imponderabilidade. Por conta disso então, desde a sua criação apenas 2% dos clubes que disputaram a D chegaram até a Série A e isso não é nada animador para quem quer investir no futebol brasileiro.

Aqui não é lugar para discutir o melhor calendário, mas fica claro a necessidade de se equacionar essa questão, e que a falta de posicionamento, ou seja, de objetivo e do que queremos ser ou como queremos nos posicionar nesse tabuleiro para concorrer com as demais ligas do mundo.

O Brasil só se tornou o País do Futebol porque encarávamos o futebol como um continente, não como um país. Por isso temos (ou tínhamos) 12 gigantes e outros tantos grandes estaduais. Aqui, a gênese e o desenvolvimento do futebol se deram regionalmente, nas cidades e depois nos estados e isso propiciou algo único para o nosso país: diversas formas de jogar. Por consequência, sempre tivemos uma seleção diversificada, diferente e com mais recursos e repertório que as demais.

Num país que se chama de República Federativa, mas onde tudo é centralizado e pouca coisa funciona, a descentralização do futebol sempre foi uma benção para o seu desenvolvimento e estamos perdendo isso também.

Hoje não somos nem o País do Futebol das jogadas do Canal 100 e nem nunca seremos a Premier League, e nessa indecisão, estamos apenas perdendo terreno para os demais.

CONCLUINDO

Clubes empresa, regulamentação e definir um planejamento para o nosso futebol são os 3 dilemas que temos que atacar o quanto antes. Só a partir disso poderemos sonhar em ter um ambiente mais regulado, racional e produtivo e que propicie, por consequência, a melhoria do esporte e a geração de mais recursos. Se não dermos esse passo para trás, e planejarmos, continuaremos andando de lado sem saber ao certo onde ou como chegaremos no futuro.

Rodolfo Kussarev